Falta de plano de manejo paralisa produção e segurança alimentar em APAs do Tocantins
Produtores rurais e assentados enfrentam insegurança jurídica e bloqueio de crédito há quase 30 anos em áreas de proteção ambiental.
A ausência de planos de manejo em Áreas de Proteção Ambiental (APAs) do Tocantins tem gerado um bloqueio institucional que impacta a produção agrícola, a segurança alimentar e a economia de municípios e comunidades rurais. Criadas para conciliar produção e preservação, essas unidades de conservação seguem sem o documento que orienta o uso da terra, situação que se arrasta por quase três décadas em alguns casos, como na APA Ilha do Bananal Cantão.
Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, o Tocantins possui 37 Unidades de Conservação registradas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) em 2025. Desse total, 13 são APAs (11 estaduais e 2 federais), todas dependentes de planos de manejo para funcionar plenamente. A indefinição impede investimentos, reduz a produção de alimentos como leite, carne, milho, arroz e hortaliças, e fragiliza a arrecadação de municípios localizados dentro dessas áreas.
Insegurança jurídica paralisa investimentos
A produtora rural Verena Weicher Potulski, diretora e conselheira fiscal da Aprosoja Tocantins, relata que a falta de diretrizes paralisa o desenvolvimento. “As propriedades dentro da APA cumprem rigorosamente o Código Florestal e preservam mais do que a média nacional, mas continuam travadas porque o plano de manejo nunca foi entregue. Sem diretrizes, o produtor não sabe se pode investir, o órgão não sabe como fiscalizar e o banco não sabe se pode financiar”, afirmou.
Essa insegurança jurídica afeta diretamente o acesso a crédito, tecnologias e políticas públicas, comprometendo práticas sustentáveis já adotadas, como o sistema de plantio direto na palha. Em assentamentos, a situação é ainda mais crítica, com famílias reduzindo cultivos por medo de penalizações futuras, o que compromete sua segurança alimentar.
Pesquisador alerta para vulnerabilidade do território
O pesquisador em planejamento territorial Pedro Igor Galvão Gomes, mestre pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), explica que a ausência de regras claras transforma a APA em uma área vulnerável. “Sem regras claras, o território passa a operar na incerteza. O produtor não sabe o que pode fazer, o órgão ambiental perde referência e a paisagem fica vulnerável ao uso desordenado”, destacou.
Gomes alerta que a falta prolongada de um plano de manejo favorece a fragmentação da paisagem, o uso inadequado do solo e a ocupação de áreas sensíveis, agravando riscos ambientais e a vulnerabilidade social. A ausência de zoneamento técnico também impede o acesso a crédito e assistência técnica essenciais.
Problema afeta comunidades inteiras
A presidente da Aprosoja Tocantins, Caroline Barcellos, enfatiza que o impacto vai além dos produtores rurais. “A ausência de um plano de manejo não é apenas um problema administrativo. É uma questão que atinge diretamente famílias, escolas, municípios e toda uma cadeia produtiva que depende da segurança jurídica para existir”, comentou.
Barcellos destacou que os produtores do estado preservam, cumprem a lei e querem produzir de forma sustentável, mas permanecem limitados por uma indefinição que dura quase 30 anos. “O campo tem feito a sua parte. Agora o que esperamos é que o Estado conclua esse processo e devolva às comunidades o direito de viver da terra com dignidade, clareza e oportunidade”, completou.
Esforços conjuntos para construção do plano
Atualmente, um grupo de trabalho formado pelo Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), pelo Instituto de Atenção às Cidades (IAC) da UFT, pelo Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Área de Fazenda Pública (CEJUSCAF), pelo Ministério Público, pela Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Tocantins (ADSTO) e por representantes dos nove municípios envolvidos atua na construção do plano de manejo.
A expectativa é que o documento traga regras claras, garanta segurança jurídica e permita que as APAs conciliem, de fato, a preservação ambiental com o desenvolvimento econômico. A resolução desta indefinição é vista como passo fundamental para destravar o acesso a financiamentos e oferecer condições reais de produção e qualidade de vida às famílias que aguardam por essa solução há décadas.
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